HISTÓRIA DA FILOSOFIA
Fundamentos, História e Estudos de Psicologia

HISTÓRIA DA FILOSOFIA


ABRÃO, Baby e COSCODAI, Mirtes. História da Filosofia. São Paulo-SP: Editora Nova Cultural, 2003, 2ª ed, 480p.

A partir do século VIII aC, o renascimento do comércio – que ganha impulso ainda maior com a invenção da moeda cunhada – termina com o isolamento das aldeias. Isso leva a uma união que acaba por dissolver as antigas linhagens tribais. A sociedade torna-se mais complexa. Deixa de ser um aglomerado de agricultores e artesãos – o demos – reunidos em trono do palácio central. P 17

Também o centro da cidade sofre uma mudança radical. Passa a ser a agora, a praça pública, onde acontecem as transações comerciais e as discussões sobre a vida da cidade,... p 17

Essa nova forma de organização social e política é a polis, cujas características, segundo o historiador francês Jean-Pierre Vernant, são a supremacia do logos (que significa “palavra”, “discurso” e “razão”), pois a decisão sobre os assuntos públicos depende apenas da força das palavras dos oradores,... p 17

...o caráter público das discussões políticas, que deixam de ser privilégio de grupos (as leis são elaboradas em conjunto e depois escritas, para que todos possam conhecê-las); a ampliação do culto, uma vez que a religião já não é um saber secreto de reis e sacerdotes, mas sim algo afeito ao Estado, público, acessível a todos. P 17

Pouco de sabe a respeito dos pioneiros do pensamento ocidental. De seus textos restaram apenas fragmentos. Suas idéias chegaram a nós por intermédio das versões apresentadas pelos pensadores que vieram depois, e que os apresentam como “primeiros filósofos”. P 24-25

Esses primeiros surgiram na Jônia, colônia fundada na costa asiática da Grécia por antigos micênios, que ali se refugiaram das invasões dóricas. Enquanto a maior parte dos gregos mergulhava na “idade das trevas”, os jônios desenvolveram intensas atividades artesanais e comerciais, que favoreceram o surgimento de novos valores sociais, baseados menos na tradição, mais na iniciativa dos indivíduos. P 25

A vitória de Atenas sobre os persas, em 479 aC, marca também a consolidação da democracia na cidade. Dentre os novos valores que surgem está o da educação. Trata-se de formar cidadãos aptos à vida pública , e para isso deles se exige que sejam bens oradores. P 37

Os sofistas (literalmente, “sábios”) são todos estrangeiros. Excluídos assim da condição de cidadãos, não se interessam diretamente pelos destinos da cidade. Assim, não se preocupam com o que uma argumentação pode ter de justo ou injusto, moral ou imoral – isso é assunto dos cidadãos. Basta-lhes que seus discípulos aprendam a falar... p 37

Nessa mundo não há um único princípio que a tudo comande, mas apenas convenções que os homens estabelecem para depois abandonar. Os valores e as verdades são instáveis e relativos. A própria linguagem, essa capacidade essencialmente humana, também não passa de convenção, sem poderes para expressar a verdade, a não ser verdades relativas de cada um. P 37

Ao denunciar as certezas, ao duvidar da existência de uma única verdade, os sofistas acabaram por atrair também a ira dos cidadãos comuns. Diz-se que Protágoras teria sido condenado pela polis. P 39

Sócrates simplesmente pergunta. Não ensina; quer aprender. Seu pensamento parece desprovido de conteúdo. Mas, se não há ensinamentos, ele propõe algo. Destruindo as respostas fáceis dos interlocutores, mostra que o pensamento deve ser prudente. P 43

A Sócrates interessam o homem e suas ações, (...), numa época em que ser virtuoso é quase sinônimo de cidadão e tudo se justifica em nome da virtude... p 44-45

..o que é a virtude? [...]. Conhecê-la torna-se, assim, o principal objetivo do verdadeiro conhecimento – só pratica o mal quem ignora o que seja virtude. E quem tem o verdadeiro conhecimento só pode agir bem. Desse modo, conhecimento e virtude tornam-se sinônimos. P 45

Platão, que se retira do mundo instável da política para contemplar as idéias, não o faz por mero mor à teoria. Para ele, essa contemplação, pela qual se conhece o Bem, é condição para retornar ao universo sensível e imperfeito, a fim de moldá-lo, tal qual o Demiurgo, à imagem e semelhança das idéias. Nesse longo percurso, que vai do mundo da injustiça até o Bem e que volta ao mesmo mundo injusto... p 49

Conhecer é assim reconhecer, lembrar-se das idéias que foram contempladas pela alma, mas esquecidas por causa do apego às coisas sensíveis. A alma possui essa capacidade de reconhecer as idéias porque de certo modo participa do mundo inteligível... p 51

O filósofo que chega à verdadeira realidade tem uma missão: a de voltar à caverna, ao mundo sensível dos homens, mesmo que ali seja incompreendido. P 52

Aristóteles não despreza, como seu mestre, a observação das coisas que se apresentam aos sentidos. Mais do que isso, procura integrar a percepção do mundo sensível ao conhecimento científico e filosófico. P 55

Se o mundo inteligível é uma ficção desnecessária e inútil, só resta ao conhecimento tornar-se o conhecimento do mundo sensível, onde existe não a idéia de Homem ou de Cavalo, como queria Platão, mas homens e cavalos individuais. Os sentidos que captam as coisas individuais constituem assim o ponto de partida. P 56

...se as essências não estão separadas num mundo inteligível, imóvel e eterno, a ciência que as estuda deve levar em conta as mudanças e os movimentos que ocorrem e que os sentidos registram. P 59

Para Aristóteles, a causa final do homem, seu objetivo supremo, é a felicidade. Ela não é um forte prazer que se esvai logo em seguida; ao contrário, deve ser algo perene e tranqüilo, sem excessos, pois o excesso faz com que uma boa ação torne-se seu oposto. (...). Atingir a felicidade depende então da conduta moral moderada, sem excesso, baseada no que Aristóteles denomina “meio-termo” (equivalente à justa medida dos pitagóricos). P 63

A felicidade, em suma, obtém-se por meio da vida contemplativa, uma vida intelectual sossegada, longe das perturbações do cotidiano. P 63

Como o conhecimento expressa-se por palavras, são elas as primeiras a merecer análise. P 64

Mas o homem é um animal político – zóon politikón -, que vive naturalmente em sociedade. Ao tratar do tema, em Política, Aristóteles, ao contrário de Platão, não se interessa por idealizar uma cidade justa. Nisso revela a marca de seu tempo, em que o ideal da polis já é letra morta, perante a expansão militar da vizinha Macedônia. P 67

Aristóteles, então, classifica as formas de governo em três: o governo de um só indivíduo (monarquia e despotismo), de alguns (aristocracia ou oligarquia) e de todos (democracia). P 67

...e mesmo Aristóteles, para quem a felicidade é a quietude da vida contemplativa, considerava que isso só era possível na polis, fora da qual o homem nada significaria. P 70

Os séculos IV e V, em que Agostinho vive, sã uma época em que a filosofia, talvez com exceção do neoplatonismo de Plotino, perdeu a confiança na razão.... p 99

Agostinho situa-se na passagem do mundo greco-romano para a Idade Média, cujo valor predominante é o cristianismo. P 99

...o Ocidente transformou-se em um mosaico de pequenos reinos ditos “bárbaros”, que iam assimilando em suas tradições alguns dos valores romanos, principalmente o cristianismo. Começava a Idade Média. P 103

O próprio termo “Idade Média” já traz embutida essa carga de desprezo: indica que o período, que se estendeu por cerca de mil anos, não passa de um intervalo entre o esplendor do mundo greco-romano e seu “renascimento” posterior. P 104

Também em Oxford surge pela primeira vez a expressão scientia experimentalis (ciência experimental). Seu formulador é Roger Bacon (1214-1294), discípulo de Grossteste e igualmente franciscano, para quem as provas da experiência constituem a melhor forma de conhecimento – motivo pelo qual é considerado precursor da ciência moderna. P 121

Havia algo no ar. Um desejo, talvez. Ou uma necessidade. Um movimento sutil na direção da mudança. Uma vontade coletiva de experimentar, descobrir, transformar. Corria o século XIV, e na Europa – na Itália, a princípio – começou a tomar forma aquilo que mais tarde o mundo conheceria como Renascimento. (...). Ávidas, as pessoas revisitavam os valores da Antiguidade clássica. Vasculhavam velhos textos e redescobriam o ideal artístico do universo greco-romano. P 127

A originalidade do Renascimento está em construir uma nova imagem do mundo a partir da permanência de elementos do passado. É em nome do humanismo que o homem, mesmo temeroso, começa a separar-se da grande ordem do universo, para ser o seu espectador privilegiado. Mais do que isso, ele é o organizador dessa ordem. P 128

Evidentemente, essa concepção abalou ainda mais o cristianismo, que via ruir, nos novos tempos, seu sonho de unificar o mundo pela fé. P 128

O poder, antes centrado na figura do papa, concentrava-se cada vez mais nas mãos dos reis. (...). O fortalecimento das monarquias nacionais correspondia ao enfraquecimento da nobreza e da Igreja. Também representava a ascensão de uma nova classe social, a burguesia, dedicada às finanças, ao comércio e à manufatura, e que passou a apoiar política e economicamente a coroa em troca de proteção aos seus negócios, cada vez mais dinâmicos e prósperos. P 129

No Renascimento, o homem é basicamente o indivíduo. (...). Essa valorização do indivíduo manifesta-se na busca da fama, uma noção antiga diametralmente oposta ao ideal medieval do homem anônimo que, despojando-se das vaidades pessoais, coloca-se a serviço de Deus. Na escultura ou na arquitetura do Renascimento, grande parte das obras serve para exaltar a fama conquistada por muitas personalidades. Na literatura, proliferam os gêneros biográfico e autobiográfico, enquanto, na pintura, florescem o retrato e o auto-retrato, com a identificação das pessoas representadas. P 131

Audacioso, inconformado com as circunstâncias a que se vê submetido, ele forja o próprio mundo. Nessa medida, sua figura equivale à do homem de virtù, ativo, criativo e empreendedor, e contrapõe-se à dos “especulativos” escolásticos, que, aos olhos do Renascimento, pensam mas nada fazem. P 132

O próprio termo “renascimento” aplica-se inicialmente a essa revalorização daquilo que o classicismo grego e romano havia exaltado. O grande promotor desse humanismo no sentido técnico é Francisco Petrarca (1304-1374) responsável pela criação da noção de “tempos obscuros” para caracterizar a Idade Média, que, a seu ver, era sinônimo de mundo bárbaro. P 133

Os humanistas, na verdade, idealizam a Antiguidade, reinventam-na, criando, num certo sentido, o modelo que depois tratariam de imitar. P 133-134

Por trás dessa aparente divergência técnica sobre a tradução há um fosso que separa o mundo medieval do renascentista e que se manifesta em concepções conflitantes a respeito da educação, a começar pelo local do ensino. Se a escolástica tinha como sede a universidade, o núcleo das humanidades são os colégios. (...). Destinados inicialmente a fornecer uma instrução preparatória – exatamente as humanidades – a jovens carentes, os colégios, que proliferam no final da Idade Média, passam a atrair cada vez mais os estudantes de famílias ricas. P 134

...em Florença – como Marcílio Fisino (1433-1499) e Pico della Mirandola (1463-1494), este último autor de uma obra intitulada Discurso sobre a Dignidade do Homem. (...). Mirandola considera que o homem, ao contrário de outras criaturas, não recebeu do Criador nenhum lugar ou natureza que lhe fossem próprios e que, por isso, encontra-se livre para se apoderar do mundo como achar melhor. P 139

A pintura, no Renascimento, é figura e espelho do mundo, também concebido como um jogo de espelhos entre as partes e o todo.... p 142

O artista do Renascimento, homem universal, levou longe sua sede de conhecimento. Transformou-se também em engenheiro e técnico de grande capacidade inventiva – e plenamente ciente de suas qualidades. Exemplo disso é a carta que Leonardo da Vinci escreveu em 1482, em que solicita emprego a Ludovico, o Mouro (1452-1508), da poderosa família dos Sforza, de Milão: “Já fiz planos de pontes muito leves (...). Sou capaz de desviar a água dos fossos de um castelo cercado (...). Conheço meios de destruir seja que castelo for (...). Sei construir (...) galerias e passagens sinuosas que se podem escavar sem ruído nenhum (...)”. p 144-145

Bruno acredita em Deus. Mas seu Deus não é transcendente, acima de todos os seres e quase inacessível. Ao contrário, é imanente às coisas; encontra-se em tudo e em todos. Deus é a natureza. (...). Deus é o princípio vital que anima o mundo e os seres. O mundo é esse ser vivo e divino, e, se tudo se move – até mesmo a Terra e o que ela contém -, é para assegurar a manutenção e a renovação constante da vida. P 153

Nicolau Maquiavel é um observador atento desses tempos de luz e sombra. (...). Não lhe interessa arquitetar governos justos e imaginários. Prefere ver as coisas como são. Por isso, de certo modo, sua conclusão é cruel: o objetivo supremo do governo é perpetuar-se no poder, não importando os meios para atingir esse fim.(...). “...para se manter, que aprenda a ser mau” P 155

Enquanto Maquiavel analisa friamente a realidade, outros pensadores refugiam-se no sonho. Nas artes, proliferam temas como a “fonte de Juventa”, que assegura a juventude eterna, ou o “jardim das delícias”, em que todos os prazeres são possíveis. Os pobres imaginam o “país da Cocanha”, onde há um morro de queijo parmesão e um rio de vinho branco. (...) Outros projetam sociedades ideais: as utopias. O iniciador desse gênero literário é Thomas Morus (1478-1535), cuja obra denomina-se exatamente Utopia (isto é, “lugar nenhum”).... P 159

Mas não é apenas Thomas Morus que se deixa envolver pelo sonho da sociedade ideal. Outros o fariam, na tentativa de escapar ao menos pela imaginação de uma realidade política e social opressiva. O dominicano Tommaso Campanella (1568-1639) escreveu A Cidade do Sol, de inspiração platônica – a começar pelo título. Nessa cidade feliz, governada pelo sacerdote Metafísico, também não há propriedade privada; tudo é de uso comum. O egoísmo inexiste e, por isso, não há crimes. P 160

A abadia de Thélème é, no mínimo, diferente. Lá, homens e mulheres dividem o mesmo espaço. E, no lugar dos votos de castidade, pobreza e obediência, existem outros, opostos: casamento, riqueza e liberdade. Ale, disso, nessa curiosa abadia não há regras. Ou melhor, há apenas uma: “Faça o que quiser”. (...). O mosteiro de Thélème e suas liberalidades são obra da imaginação de François Rabelais. Um autor que, com seu espírito satírico, chegou a propor uma filosofia, a “pantagruelista”. Ela consistiria em “uma certa alegria de espírito, temperada no desprezo pelas coisas fortuitas”. P 161

Traçar o retrato do homem é também a especialidade de Montaigne, ...(...)...ele os observa à medida que se desenvolvem nas ações concretas do cotidiano. (...). O homem é verdadeiro em sua contínua mutação; equívocas são as teorias e as convenções sociais e políticas, que pretendem aprisioná-lo em uma única imagem. (...). “Estudo a mim mesmo mais do que qualquer outra coisa , e esse estudo constitui toda a minha física e a minha metafísica”. P 163

Escreve Erasmo de Rotterdam, em Elogio da Loucura. No caso, Loucura é uma deusa que se apresenta como condutora das ações humanas. Todos são loucos: médicos, alquimistas, advogados, negociantes, artistas, sábios, gramáticos, filósofos, matemáticos (...). Como se brincasse a sério, Erasmo vai retratando os tipos humanos de sua época, denunciado-lhes a mediocridade e a hipocrisia. (...). A crítica maior recai sobre a Igreja, sua hierarquia e suas instituições. (...). Com essas considerações, Erasmo propõe o retorno da Igreja à simplicidade dos tempos iniciais, num sentido muito próximo às pregações de Lutero, que, por essa época, iniciava a Reforma protestante. P 163-164

As insurreições, no entanto, eclodem por todos os lados. Thomas Münzer (c. 1489-1525) prega o rompimento com os valores deste mundo para nele instaurar, aqui e agora, o reino de Deus. Isso se manifesta na recusa ao batismo das crianças (anabatismo), liberando-as de quaisquer compromissos, religiosos ou civis, com a ordem existente. Para Münzer, a insurreição contra os ricos e poderosos, que ocultam o verdadeiro significado do Evangelho, é um direito legítimo e sagrado. P 175

João Calvino (1509-1564) leva às últimas conseqüências a doutrina luterana do servo-arbítrio – e por isso mesmo afasta-se de Lutero – ao elaborar a teoria da predestinação. Para ele, o homem está predestinado, antes mesmo da criação do mundo. Ninguém pode auxiliá-lo. P 176

Mas há quem trabalhe sistematicamente e seja bem-sucedido; outros não. Para Calvino, isso deve ser sinal de que o bem-sucedido é um dos eleitos, (...)...se um homem se torna rico pelo trabalho, é porque a riqueza conquistada é um indício – mas não a certeza – da sua salvação. [...]. Na prática, porém, a doutrina de Calvino seria entendida como permissão para a busca de riqueza, em nome da glória de Deus. Esse dado, juntamente com a restrição ao consumo, levaria à acumulação capitalista, como analisa Max Weber em A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. P 179

Em Tratado teológico-Político, Espinosa submete a Bíblia a uma rigorosa crítica, baseada na análise gramatical da língua hebraica e na história do povo judeu. A conclusão é a de que o conteúdo bíblico não se refere à verdade, mas apenas estabelece os preceitos da conduta humana, o que reduz todo o esforço da teologia a nada. Por exemplo, se Deus tivesse realmente se revelado a Moisés, os Dez Mandamentos conteriam a verdade eterna e não a lei de apenas um povo. (...). O mundo, então, só pode ser constituído de infinitos modos dos atributos que estão em Deus. Em outras palavras, Deus é causa, mas causa imanente: causa e efeito estão em Deus. P 213-214

“Cada porção da matéria”, escreve Leibniz, “ pode ser concebida como um jardim cheio de plantas e como um lago cheio de peixes. Mas cada ramos de planta, cada membro de animal, cada gota de seus humores é ainda um jardim ou um lago”. P 227

A realidade é, então, um todo contínuo, sem interrupções, que não se esgota em alguma de suas partes, por ínfimas que sejam. Não há, portanto, o vazio, e Leibniz, que nisso segue Descartes, não admite a existência do vácuo. P 227

O mundo físico e corporal é, então, composto de representações das mônadas. [...]. Cada mônada é “como um mundo completo” e, além disso, dotada de uma força dinâmica que a faz tender para a perfeição da representação. Isso significa que as mônadas são propriamente enteléquias, “pois contêm em si uma certa perfeição, e têm uma suficiência a torná-las fontes de suas ações internas”. P 230

Que ninguém se engane: os homens não são irmãos. Ao contrário, são inimigos, capazes de matar um ao outro. O homem, na verdade, é o lobo do homem. P 231

Para Hobbes, a origem do poder político e do Estado deve ser procurada não em Deus, mas na natureza, mesmo que esta seja o resultado da criação divina..... p 232

Esse é significativo, pois revela a natureza da igualdade: os homens são iguais como inimigos. Isso porque todas as “ações voluntárias e as inclinações dos homens não tendem apenas para conseguir, mas também para garantir uma vida satisfeita”, e essa garantia é, no limite, a eliminação dos obstáculos ao desejo, isto é, o aniquilamento e a morte do outro. O estado de natureza é o estado de “guerra de todos contra todos”. P 235

(sobre o pensamento de Hobbes) É certo que o Estado detém o poder ilimitado, monopolizando o recurso à violência. Mas a violência do Estado é distinta da situação de guerra no estado de natureza, pois seu objetivo é evitar a guerra, garantindo paz e segurança. O Estado representa, nessa medida, o fim do estado de natureza e a inauguração da sociedade civil. É também certo que, nessa passagem, o homem perde a liberdade natural de que dispunha. Mas esta era fonte de guerra e do medo da morte. A instituição do Estado é então a superação do medo pela esperança, a garantia da segurança e do direito à vida. P 237

Locke é empirista. Para ele, a mente humana é, no início, algo como um “gabinete ainda vazio”, um “papel branco” – uma tabula rasa -, que aos poucos é preenchida pelos dados da experiência. P 239

O conhecimento é o resultado das operações que a mente realiza com as idéias, tanto da sensação como da reflexão, procurando perceber o acordo ou o desacordo entre elas. P 239-240

O conhecimento intuitivo, pelo qual “a mente percebe o acordo ou o desacordo de duas idéias imediatamente por elas mesmas”, é o que proporciona o grau máximo de certeza e evidência. (...). E, se tenho sensação das coisas exteriores e a reflexão das operações interiores da mente, como não ter a evidência e a certeza de que “eu existo”? p 240

Se os homens decidiram se unir e constituir a sociedade civil, essa decisão tem origem na experiência, que os levou à conclusão de que seria melhor obedecer a um governo do que correr os riscos do estado de natureza. P 240-241

Mas liberdade não é licenciosidade, pois todos estão sujeitos à lei de natureza, isto é, à razão: cada um é livre para dispor de seu corpo, mas ninguém deve abusar dessa liberdade para prejudicar os demais. P 241

Locke afirma que a lei de natureza autoriza a matar um agressor, do mesmo modo como se mata um lobo ou um leão. Para ele, a agressão tem um caráter insensato e irracional. Quem a pratica são homens que, abandonando os “princípios da natureza humana” e renunciando à razão, tornam-se “depravados”. Por causa desses homens contrários à razão e à natureza – e não por influência destas últimas – inicia-se o estado de guerra. P 241

De um lado, o transgressor da lei que se declara em estado de guerra. De outro, o guardião e executor da lei, que, por isso, tem o direito de guerra de castigar o mal feitor. P 241

Tantos são os inconvenientes desse estado que os homens decidiram renunciar à sua liberdade natural, principalmente ao direito de executar a lei de natureza com as próprias mãos, entregando-o ao corpo político formado nesse mesmo ato de renúncia. Esse é o pacto que dá origem à sociedade ou política (que Locke também denomina de comunidade), isto é, um único corpo, político, representado pelo governo. P 242

A água de uma bacia pode ser quente ou fria, de acordo com quem a percebe. [...]. ...o fogo só existe na mente como percepção e idéia. Do mesmo modo, todas as coisas: não há nada exterior à mente. Esse est percipere et percipi: ser é perceber e ser percebido. Para Berkeley tudo se reduz à percepção e à mente que percebe. Por que, então, discutir em vão sobre uma suposta natureza intrínseca das coisas, que não se dá aos sentidos? Melhor fazer como as pessoas comuns, para quem o mundo é exatamente o que sentem e percebem. P 256

Hume pergunta sobre “qual a natureza de todos os nossos raciocínios sobre os fatos”. A resposta é: “eles se fundam na relação de causa e efeito”. Nova pergunta: “qual é o fundamento de todos os nossos raciocínios e conclusões sobre essa relação?”. Resposta: “a experiência”. P 257

...A crença é ainda mais viva quando apoiada na experiência repetida de fatos semelhantes que, pelo hábito, produz a sensação de que os fatos naturais ocorram com regularidade. Isso também permite que se acredite na repetição dos mesmos fatos em experiências futuras. O caráter necessário e universal das leis da natureza baseia-se nessa crença da regularidade da natureza. P 258

...Hume indica que os homens associam e acreditam nessa associação por força do hábito, ou costume. E este não é a repetição de experiências semelhantes por parte de um único indivíduo, mas de muitos. (...). Por isso, se tenho um prazer só meu, mas que os outros reprovam porque contraria o costume, passo a duvidar desse prazer íntimo e exclusivo. P 259

“O costume é, pois, o grande guia da vida humana”, diz Hume. Com essa conclusão, destroem-se todos os raciocínios – científicos, religiosos, morais ou políticos – baseados em hipóteses. Sem o apoio da experiência, eles se tornam dogmáticos. Não à toa, Kant, mais tarde, irá afirmar que Hume o fez despertar de seu “sono dogmático”. P 259

Para Hume não há, na mente humana, nada que não tenha se originado na percepção. Esta se subdivide em espécies. As mais vivas são impressões, que aparecem na mente “quando ouvimos, vemos, sentimos, amamos, odiamos, desejamos ou queremos”. As mais fracas são idéias (ou pensamentos), que são cópias das impressões e, por isso, manos vivas. Por exemplo, é fácil compreender muito bem o que significa dizer que uma pessoa está amando, mas “nunca posso confundir esta idéia com as desordens e as agitações reais da paixão”. P 259-260

Para Hume, o conhecimento só pode ser resultado da associação de idéias, isto é, da conexão de várias impressões por meio de suas cópias, formando idéias complexas. P 260

....as idéias se associam por semelhança. P 260

A certeza só pode ser uma crença. Vimos o Sol nascer ontem e hoje, e disso formamos a crença de que nascerá amanhã e sempre. Mas em que se baseia a crença? Para Hume, a resposta é apenas uma: na repetição de experiências semelhantes, isto é, no hábito (ou costume). P 261

Habituamo-nos a sentir dor quando nos ferimos e acreditamos que a mesma experiência se repita em todas as ocasiões semelhantes. O mesmo ocorre com todas as afirmações sobre relações de fato, que constituem as ciências da natureza. P 261

Giambattista Vico (1668-1744), [...]....reconstitui os modos de viver e de sentir dos homens. Disso resultam os princípios do que Vico denomina “história universal”: todos os povos passam por três estágios (ou idades), cada qual correspondendo a uma forma de organização social, política e jurídica. [...]. A primeira idade é a dos deuses: os homens, pelo temos às forças da natureza – que a imaginação identifica com divindades-, refugiam-se em abrigos. (...). A linguagem é muda, isto é, feita de gestos, sinais e caracteres. [...]. A seguinte é a dos heróis, em que as famílias se unem formando a aristocracia, que domina o restante da população. Cria-se o direito baseado na religião, funda-se cidades, e o modo de expressão dessa vida é a linguagem simbólica, ... [...]. A idade dos homens é a última, e nela impera finalmente a razão. O governo assume a forma de república popular ou de monarquia, ambas assegurando a igualdade de direitos para todos. As leis são racionais, e a linguagem se baseia em vocábulos convencionados. P 262-263

Segundo Vico, a história é marcada pela eternidade de corsi e ricorsi, isto é, de cursos e de suas repetições. P 263

Eles se autodenominam les philosophes, “os filósofos”. Ou cidadãos livres e iguais da “república das letras” – todos são escritores -, (...). e escrevem muito, sobre os mais diversos assuntos: Enciclopédia é a grande obra de todos eles (ou quase), também chamados, por isso, de “enciclopedistas”. Por sinal, são, na maioria, anti-religiosos. Não exatamente ateus – alguns o são -, mas consideram a religião, que se impõe pela autoridade de seus dogmas, o símbolo máximo do obscurantismo. P 266

Por essas ousadias, são perseguidos, encarcerados e muitos partem para o exílio; suas obras são censuradas e queimadas em praça pública, mas, editadas fora da França, circulam de mão em mão como panfletos clandestinos. Les philosophes tornam-se sinônimo de subversão e pornografia por defender e praticar a liberdade de pensamento, de que resulta uma nova concepção do mundo e do homem. P 266

.... les philosophes redefinem o homem. Ele faz parte da natureza, mas a observação mostra que é um ser capaz de modificar o seu curso; é fruto do meio e, no entanto, pode ser transformado pela educação, pelas Luzes, e capaz de reformar a própria sociedade. P 269

“Esmaguemos os fanáticos e patifes, suas hipócritas declamações, seus miseráveis sofismas, a história mentirosa, o amontoado de absurdos. [...]. A conclamação é de Voltaire. Sua palavra de ordem é Écrasez l'infâme!, esmargar o infame (ou a infame, isto é, a Igreja). Agitador e planfetário, ele é o principal propagandista das Luzes. P 269-270

Para Voltaire, a “ilha da razão” – como denominaria o país que o recebeu – torna-se um grande modelo. Ali, conhece as obras de Locke e de Newton, e o sistema inglês o fascina. (...). Escreve Cartas Inglesas (ou Cartas Filosóficas), obra publicada em 1734, já de volta à França. O livro é logo condenado como subversivo, e Voltaire, receoso de nova prisão, retira-se para o castelo da marquesa de Châtelet, uma nobra culta... p 270

Entre sério e sarcástico, Voltaire trava o seu combate. Cândido, personagem de um romance com esse mesmo nome, é expulso de um castelo de Vestfália – uma réplica do “melhor dos mundos possíveis”, de Leibniz... p 271

Voltaire acredita na existência de um ente “mais potente do que eu, nada mais”. Assim, ele não vê sentido em tantas conrovérsias sobre a essência de Deus. “E de que é que isso me serviria? Se o soubesse, seria mais justo? Seria melhor marido, ou melhor pai, melhor patrão, melhor cidadão?” As questões metafísicas e teológicas não são apenas equivocadas: são inúteis. P 271

Contra isso, diz Voltaire: “O homem não é maldoso; torna-se mau tal como se torna doente”. O mal deixa de ser questão metafísica e teológica para assumir uma dimensão humana. Além disso, o que é tido como mal não deixa de ter sua utilidade. O amor-próprio – que para Pascal afasta o homem de Deus – assegura a conservação humana. E como existiriam as sociedades se não fossem as paixões, como o orgulho de governar?”.. p 272

...Para Voltaire, a história é a história do progresso, que avança à medida que os homens vão se esclarecendo pelas luzes da razão. P 272


Nesse materialismo evolucionista não há lugar para a providência divina. Como que antecipando a teoria transformista de Lamarck (1744-1829), diz Diderot: “Os órgãos produzem as necessidades, e reciprocamente as necessidades produzem os órgãos”, isto é, a natureza produz a si mesma, corrigindo seus defeitos e eliminando os seres inviáveis. Um cego de nascença, por exemplo, aprende a “ver” com o tato, enquanto os monstros, essas aberrações da natureza, são eliminados por não ter condições de subsistir. P 275

Para Diderot, a religião, com seus dogmas e doutrinas intolerantes, é uma das principais fontes do mal. P 275

O homem pode ser bom e feliz, contanto que se liberte das imposições das autoridades religiosas, metafísicas, filosóficas ou políticas que teimam em contrariar a natureza e a razão. P 276

A própria liberdade só pode ser definida em função de cada governo e de suas leis: “A liberdade”, afirma Montesquieu, “é o direito de fazer tudo o que as leis permitem”. Trata-se, então, de verificar em que condições é possível o máximo de liberdade ..... p 279

“A liberdade”, afirma Montesquieu, “é o direito de fazer tudo o que as leis permitem”. P 279

(sobre o pensamento de Rousseau) “O homem nasce livre, e por toda a parte encontra-se a ferros. O que se crê senhor dos demais não deixa de ser mais escravo do que eles, (...)” p 284

...Será de um contrato legítimo que Rousseau irá tratar em Do Contrato Social, ou seja, um contrato em que a vontade geral se apresente como soberana e no qual a liberdade, entendida como o dom mais preciosos do homem, seja preservada. P 284

(sobre o pensamento de Rousseau) A passagem do estado de natureza para o estado civil determina no homem notáveis mudanças. Precisa, por exemplo, substituir o instinto pela justiça, atribuindo às suas ações uma moralidade que lhe faltava no estado de natureza. Vê-se, então, forçado a adotar outros princípios e a consultar a razão antes de ouvir as próprias inclinações. Perde a liberdade natural (que era limitada pela força do indivíduo), mas ganha em troca a liberdade civil e a propriedade de tudo o que possui. A única restrição acontece quando sua vontade particular, movida por interesses egoístas, choca-se com a vontade geral, que é o fundamento da soberania e se expressa nas leis. P 286

Condorcet participou ativamente da Revolução e, em 1791, foi eleito deputado à Assembléia Legislativa. Ali, propôs, entre outras coisas, o voto feminino, o direito dos ateus e a reforma do ensino, defendendo a escola pública, gratuita e laica, isto é, totalmente desvinculada da religião – proposta que seria adotada quase um século depois. Era a oportunidade de pôr em prática as Luzes: a instrução propiciaria a liberdade dos homens, retirando-os do domínio das autoridades (políticas e religiosas), o que também contribuiria para promover a igualdade. Além disso, a educação, que esclarece os homens, seria um antídoto contra a tirania. P 293

O conhecimento sensível é, então, uma das vias de acesso à verdade. Não a verdade universal que a razão desvenda por demonstrações, mas aquela que os procedimentos racionais não conseguem alcançar: a verdade das coisas particulares. A arte capta a unidade perfeita – a beleza – de um objeto; é, por isso, o conhecimento vivo dessas coisas singulares e únicas, que constituem o mundo vivo que se dá aos sentidos. P 298

Por que o fascínio pela arte da Antiguidade clássica, em particular da Grécia? Que as obras dessa época são belas não há dúvida: ao contemplá-las, todos experimentam o sentimento de beleza. Tal sentimento, porém, não pode ser demonstrado, pois é dado pela intuição sensível, e, nesse sentido, a beleza é indefinível. Mas isso não significa que ela não possa ser explicada. P 299

A arte, então, relaciona-se com a história de um povo, de uma civilização, de uma época. Por isso, ela também tem sua história, que partilha com a do povo de que é expressão. Para Winckelmann, ao contrário de vários iluministas que conceberam a história sempre progressiva da razão, tal história apresenta começo, desenvolvimento, apogeu, decadência e fim, como aconteceu com a civilização grega da Antiguidade e com seus sucessivos estilos artísticos. O belo artístico, nessa medida, só pode surgir quando a civilização a que corresponde está no apogeu. P 300

Na Alemanha, (...). A razão corresponde à fase atual, em que o homem, de modo autônomo, procura a verdade. Não importa que tal busca nunca se realize plenamente. Vale mais esse esforço em pensar livremente e tornar públicas as idéias, sem recorrer às autoridades. Essa é a atitude do autêntico Aufklãrung, o homem esclarecido. P 303

...ele propõe um campo de investigação, que denomina transcendental. Por esse termo, o pensamento escolástico designava tudo o que pudesse ser dito a respeito do sujeito, mas sem que nada fosse acrescentado a esse mesmo sujeito. Por isso, para Kant, “transcendental” refere-se ao que já está, desde sempre, contido no sujeito. P 305

O que é posterior (a posteriori) ao sujeito é experiência sensível (ou empírica), e, por isso a investigação transcendental deve examinar o sujeito puro, a priori, isto é, anterior a toda e qualquer experiência. Tal exame é indispensável para verificar se o sujeito puro, por si só, é capaz do conhecimento a priori, independentemente da experiência, pois é exatamente isso que a metafísica pretende realizar. P 305

Para Kant, o conhecimento começa com a experiência, mas nem por isso origina-se nela. Isso porque a experiência pressupõe o sujeito como condição de sua possibilidade, sem o que a palavra “experiência” nem teria sentido. O sujeito, então, deve apresentar capacidades ou faculdades que possibilitem a experiência e o próprio conhecimento. A primeira dessas faculdades é a sensibilidade, definida como “a capacidade (receptividade) de obter representações mediante o modo como somos afetados por objetos (...)”. Na Sensibilidade, essas representações se dão de modo imediato pela intuição. P 307

“Mediante o sentido externo (uma propriedade da mente)”, diz Kant, “representamo-nos objetos fora de nós e todos juntos no espaço (...)”. Por isso, não é possível intuir um objeto a não ser representando-o no espaço, exterior ao sujeito (“fora de nós”). P 307

O espaço, portanto, é a condição a priori de possibilidade da intuição empírica. P 307

Na primeira das Críticas, Kant afirma que o conhecimento só pode provir da intuição, que representa o objeto de modo imediato, e dos conceitos, com os quais as representações são pensadas. P 309

“Tempestade e ímpeto” é uma das traduções possíveis de Sturm und Drang – expressão que dá título a uma peça teatral de Maximilian Klinger (1752-1831), e que passaria a designar esse movimento de jovens poetas alemães. “Pré-romantismo” é outro nome para classificar a corrente literária, que, para muitos, é sinônimo de misticismo, de exaltação das forças da natureza e da vida, e de valorização do instinto e do sentimento em detrimento da razão. P 321

O Sturm und Drang seria, então, “irracionalista”, que reage violentamente contra a aridez racionalista da Aufklãrung. P 322

A partir dessas considerações, os poetas do Sturm und Drang lêem apaixonadamente Rousseau – não o teórico do Contrato Social, mas o do “bom selvagem” ainda não corrompido por convenções da sociedade, livre na sua rudeza de sentimentos robustos e viris. Também traduzem, adaptam e imitam Shakespeare, cujas obras lhes parecem um antídoto contra as sufocantes regras das academias. P 323

“Essa atividade”, declararia Goethe, “que não sabia onde se aplicar, precipitou-se como uma torrente na literatura. Já que não se podia agir, escreveu-se, lutou-se violentamente nos romances e nos dramas. P 324

O povo é o poeta, é ele que cria seu mundo, tornando-o nação; o artista é aquele que projeta em obras o valor dessa criação coletiva. P 325


(sobre Fausto, obra de Goethe).... Fausto, reconhece que todos os conhecimentos que havia acumulado foram em vão. Invoca o diabo Mefistófeles e com ele sela um pacto: vende-lhe a alma em troca de rejuvenescimento, e com isso viola o mandamento divino. Mas, por fim, obtém a redenção, graças a seus próprios esforços e méritos..... p 329

...Werther – outro personagem célebre de Goethe -, que se desespera e se suicida por um amor impossível. Sofrimentos do Jovem Werther, romance que Goethe escreve ainda jovem, é uma das obras representativas do Sturm und Drang e da revolta desesperada, juvenil, do movimento (...). p 329

Goethe nunca esteve em completa sintonia com as Luzes. De modo sintomático, é um ferrenho crítico de Newton, modelo do Iluminismo. Para Goethe, a luz branca é algo mais puro do que mera soma de todas as cores, e a escuridão, é o oponente da luz, não simplesmente a sua ausência. As cores, então, seriam o resultado dessa luta entre a luz e a escuridão, o que, para Goethe, é perfeitamente verificável para visão. P 331

Nessa concepção, que mescla aspectos do pensamento de Espinosa, Leibniz, Kant (da Crítica do Juízo) e outros, a relação entre os opostos é fundamental. Luz e escuridão, contração e expansão, e, na ação moral do homem, o bem e o mal – esses opostos, como os dois movimentos do coração, constituem a força dinâmica da vida. Tal força, essa “coisa que não se manifesta senão por contradição”, é o que Goethe denomina demoníaco. “Essa coisa”, prossegue Goethe, “não era divina, visto que parecia irracional; não era humana, uma vez que não possuía inteligência; nem simbólica, porque era benéfica; nem Angélica, pois que muitas vezes se manifestava como maldosa. Assemelhava-se ao acaso por não mostrar nenhuma coerência, e tinha um certo ar de Providência por denotar encadeamento.” P 332

Schiller, como tantos outros de sua geração, foi um entusiasta da Revolução Francesa. Mas a realização da liberdade que ela prometia degenerou-se no Terror, e Schiller abandona as ilusões revolucionárias. [...]. É preciso então educar o homem para a liberdade – e essa é a tarefa da arte. Schiller, seguindo Kant, concebe o homem como participante tanto do mundo sensível como do inteligível e, portanto, como dominado por paixões, desejos e inclinações materiais, mas também dotado de autonomia da vontade pura, que só obedece à lei moral e formal. P 334

(sobre o pensamento de Schiller) Esse tempo, porém, se perdeu. A harmonia entre o homem e o mundo se rompeu; os próprios homens se recolheram em suas individualidades. (...). O modelo é o mundo grego, cuja ingenuidade, porém, não é mais possível recuperar. Uma nova harmonia deve ser reconquistada – e expressá-la é a tarefa educativa da arte. P 334

O Romantismo, no entanto, é geralmente tido como “emocional”, “sentimental”e “subjetivo”, exalando fantasias mórbidas de castelos medievais mal-assombrados, paisagens lúgubres, sombras, ruína e morte. Mas “sentimental” significava para Schiller o ato da reflexão pelo o sujeito, ao voltar-se para si mesmo, reconcilia com a harmonia da totalidade. P 337-338

(sobre o pensamento de Hölderlin) Nem a razão nem o entendimento podem fundir as dissonâncias entre o seu e o mundo objetivo, entre o eu limitado e os limitados anseios da totalidade. Se em algum lugar se pode encontrar a união, tal lugar é a Beleza: o Uno é o Belo que se manifesta como um todo na variedade das diferenças. Tal Uno-Totalidade se vive e se aprende na experiência estética. Se a filosofia pode compreendê-la, isso só se dá depois, como interpretação dessa experiência. Por isso, diz Hölderlin, “a poesia é o princípio e o fim da filosofia”. P 340

(sobre o pensamento de Hegel) Aqui se situa a passagem mais famosa da Fenomenologia do Espírito e um dos itens mais conhecidos da filosofia de Hegel: a chamada “dialética do senhor e do escravo”. O senhor é senhor porque é vitorioso e assim realiza seu desejo de ser reconhecido como tal pelo escravo, sobre o qual tem poder de vida e morte. Mas a relação senhor-escravo é, como toda relação, dinâmica, e o escravo não é um elemento meramente passivo. É a consciência do escravo que reconhece o senhor como tal; este, por isso, necessita do outro para afirmar-se e se manter como senhor. O escravo, depende em princípio do senhor, torna-se senhor da consciência de seu próprio amo. P 351

Pois o espírito, percorrendo toda a sua trajetória – que é a sua própria história -, também passou pela prova da práxis, da ação concreta. Isso faz com que esse reencontro não seja um mero retorno à indistinção vazia, mas uma reconciliação como o em si já carregado de significação concreta. O que era oposição entre a consciência de si e o mundo torna-se síntese, e o espírito passa a ser em si e para si, superando a consciência subjetiva, mas permanecendo sujeito, agora absoluto. P 351

Em outras palavras, o absoluto é o resultado de um processo histórico rico de contradições, pelo qual o espírito foi se manifestando. A arte e a religião foram formas, ainda que incompletas, dessa revelação do absoluto, maneiras de tornar o espírito presente no pensamento e na vida dos homens. P 352

Existir, então, é negar-se para tornar-se outro; é um processo de transformação no qual a negação desempenha um papel decisivo. P 352

A contradição, portanto, não significa duas posições imóveis frente a frente. Como a negação brota da própria afirmação, elas mantêm entre si uma relação dinâmica, de enfrentamento. Este é produtivo, pois dele deriva uma terceira forma que, como produto da contradição, só existe por causa das forças que antes se opunham. Por isso, essa terceira forma da realidade conserva os opostos ao mesmo tempo que os supera, diferenciando-se deles. P 353

A lógica de Hegel, no entanto, contém três termos: a afirmação (a tese), a negação (a antítese) e a síntese, que resulta da negação da negação. O último termo, uma dupla negação, é também outra afirmação, mas engendrada pelo confronto dos dois termos anteriores. P 353

O termo “dialética” havia sido empregado por Platão e Aristóteles. Para o primeiro, ele significava o confronto ou a comparação de opiniões por meio do diálogo, para que dessa relação nasça a verdade. Para Aristóteles, significa a ascensão do sensível ao inteligível por meio da comparação das formas particulares sensíveis, para atingir a generalidade da verdade. P 353

Mas a experiência dos fenômenos inclui algo que a velha lógica não aceitava: o devir, o incessante processo de transformação. P 354

O que é então o ser do absoluto? Não se trata de algo que o homem concebe (...). O absoluto é autoconceber-se, e o objetivo final da Ciência da Lógica é superar a separação entre sujeito e objeto, conceito e coisa, para afirmar a identidade do absoluto. Mas autoconceber-se significa ser sujeito. Para Hegel, no entanto, não se trata mais de um sujeito que se opõe como exterior a seu objeto, e sim de um sujeito que se reencontra pelo lado objetivo, incorporando o objeto em uma totalidade que ultrapassa a oposição. P 357

A família é a primeira negação da individualidade e, ao mesmo tempo, a realização do indivíduo na interação. Mas, ainda assim, a família se particulariza, pois tem interesses próprios a defender contra outros. É somente no Estado, síntese da individualidade e da coletividade, que se pode assegurar a verdadeira realização do indivíduo. P 358

....a arte é um momento do espírito, em que este procura se adequar ao elemento sensível – pedra, cor, som e mesmo palavra – para expressar o saber. Por isso, a arte se realiza na exterioridade: o espírito ainda está fora de si e, em tal momento, encontra a sua realização no objeto. P 359

...em Hegel é seu sistema, que, ao identificar o racional com o real como reconciliação do espírito consigo mesmo, dá margem para justificar a realidade política existente, de opressão e intolerância. “Progressista” (e mesmo “revolucionário”) é a dialética, a estrutura da realidade que, por afirmação, negação e negação da negação, sempre se desenvolve. P 373

Ludwig Feuerbach (1804-1872) (...). “É somente a miséria humana que produz o nascimento de Deus’, escreve. P 374

Hegel, em quem se inspiravam esses jovens filósofos, é prisioneiro de uma ilusão, aponta Marx em Crítica da Filosofia do Direito de Hegel: ele inverte a relação entre o Estado e a sociedade civil (e a família), fazendo desta um momento subordinado daquele. Para Marx, ao contrário, é a sociedade civil – constituída de indivíduos reais, agindo segundo suas vontades e de acordo com as circunstâncias dadas – que determina uma certa configuração do Estado. Este é produto da sociedade civil, ... p 375

Separados da atividade prática e material, os pensadores, os teóricos, em suma, os ideólogos elaboram concepções como se as idéias, por elas mesmas, constituíssem a realidade. P 376

A ideologia é também necessária em outro sentido. Ao tomar algumas idéias pelo conjunto da realidade e ao considerá-las separadamente da vida prática e material, a ideologia oculta o modo como ela se produziu, cuja base é a divisão do trabalho. Esta não se resume a uma simples divisão de tarefas, pois na própria divisão também se estabelecem formas de propriedade, que determinam o modo como o produto do trabalho é repartido na sociedade. P 376

Não que os filósofos tenham voluntariamente assumido o papel ideológico de ocultar a divisão da sociedade. Hegel, por exemplo: se ele considera o Estado como o momento do espírito que supera as contradições da sociedade civil é porque o Estado efetivamente aparece e é representado pelos homens como o lugar de reconciliação dos interesses particulares, encarnando o interesse geral. Mas o interesse que aparece como geral coincide exatamente com os interesses da classe dominante. Não porque ela pretenda iludir os dominados, mas porque, como dominante, se representa como universal, capaz de promover o bem geral. Por isso, diz Marx, “as idéias da classe dominante são em toda época as idéias dominantes; isto é, a classe que é a potência material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua potência espiritual dominante” P 377

O que o trabalhador produz não lhe pertence e aparece como um objeto que lhe é exterior, alheio e estranho. Tal estranhamento é o que Marx, retomando a linguagem hegeliana, denomina alienação, isto é, a exteriorização do sujeito, na qual o próprio sujeito não se reconhece mais. P 377

Na sociedade capitalista, o trabalho, que deveria ser a atividade pela qual o homem afirma sua humanidade, passa a determinar a desumanização. No trabalho alienado, o trabalhador é reitificado, isto é, torna-se coisa, enquanto as coisas propriamente ditas que ele cria aparecem como dotadas de vida e autonomia próprias. P 377-378

Esse mundo fantasmagórico, em que os homens aparecem como coisas – e, efetivamente, o trabalhador torna-se mercadoria, cujo preço é o salário – enquanto as coisas estabelecem relações sociais, é um mundo de abstração: nele, o que conta não são as utilidades concretas das mercadorias, mas a igualdade abstrata entre elas, e que as torna equivalentes e intercambiáveis; do mesmo modo, as particularidades dos homens e de suas atividades são relegadas para ressaltar o trabalho abstratamente considerado. P 378

A prática comunista efetiva deve ser então realizada por aquela parcela da sociedade que, não possuindo nada, só pode ter como interesse a abolição da divisão social e da propriedade privada: a classe operária, o proletariado, isto é, “uma classe da sociedade burguesa que não é uma classe da sociedade burguesa”, pois não usufrui em nada dessa organização social. O interesse do proletariado como classe – e não deste ou daquele operário individual – é o de abolir as condições que o alienam para realizar a sua humanidade. P 379-380

O que importa, porém, não é tanto o que o homem produz, mas como produz, pois isso determina o modelo de sua relação com os demais homens, isto é, as relações de produção. Estas, por sua vez, estão intimamente vinculadas ao grau de desenvolvimento das forças produtivas – a força de trabalho, a técnica, a divisão do trabalho etc.- de toda uma sociedade. P 387

Mas foi Spencer quem procurou, pela primeira vez, mostrar que a evolução constitui o princípio básico que serve de explicação para todo e qualquer desenvolvimento, desde a esfera biológica até a vida das sociedades. Em Primeiros Princípios, obra publicada em 1862, ele formula de maneira geral a lei da evolução como a passagem da homogeneidade incoerente para a heterogeneidade coerente: para ele, há na natureza um progresso que vai da indiferenciação material para a diferenciação de órgãos e funções. (...). Essa teoria está sustentada em três idéias fundamentais: a persistência da força, a indestrutibilidade da matéria e a continuidade do movimento. (...). Qualquer estrutura tende portanto a um equilíbrio interno (de seus elementos) e uma relação de equilíbrio com as demais. P 393

Em Princípios de Sociologia, obra escrita entre 1876 e 1890, Spencer aplica à análise da sociedade os mesmos princípios de diferenciação estrutural que triunfavam na explicação biológica par dar conta, ao menos ao nível estrutural, da complexidade das organizações sociais. Para ele, por exemplo, a relação entre crescimento e a complexidade da estrutura, bem como a interdependência das partes, são inegavelmente pontos de aproximação entre a sociedade e o organismo. P 394

Segundo ele, a sociedade não é um mero agregado de indivíduos. Para que ela exista é preciso que haja equilíbrio entre as partes e que tal equilíbrio configure uma estrutura, isto é, uma totalidade em que as partes interagem de acordo com a função que cada um desempenha. P 395

Para Schopenhauer, esse é o nível em que tudo o que existe se caracteriza pela vontade de ser. A racionalidade humana é uma forma de objetivação dessa vontade, que é a raiz de todas as manifestações da existência. P 400

Mas, na qualidade de meu corpo, ele possui uma atividade pela qual eu também me sinto sujeito – sujeito de minhas vontades. Nesse nível de ações e reações afetivas, meu corpo aparece como vontade objetiva e me mostra, por uma extensão indutiva considerada legítima por Schopenhauer... p 402

Por isso, não se pode submeter a vontade ao princípio da razão, vigente no universo da representação. A vontade é fundamento, mas ela própria não apresenta fundamento. A metafísica, no seu nível mais profundo, escapa à razão. Mas esta, ao nos tornar conscientes da vontade como princípio, também nos ensina não ser apenas prisioneiro. P 402

A posição de Kierkegaard leva algumas pessoas a levantar dúvidas a respeito do caráter filosófico de seu pensamento. Para elas, tratar-se-ia muito mais de um pensamento religioso do que de um filósofo. [...]. A individualidade não deve portanto ser entendida primordialmente como um conceito lógico, mas como a solidão característica do homem que se coloca como finito perante o infinito. A individualidade define a existência. P 405

Não há portanto uma mediação conceitual, algum tipo de prova racional que me transporte para a compreensão da divindade. A mediação é o Cristo vivo, histórico, datado, e o fato igualmente ncompreensível do sacrifício da cruz. Aqui se situam as circunstâncias que fazem do advento da Verdade um absurdo: a Verdade não nos foi revelada com as pompas do conceito e do sistema. Ela foi encarnada por um homem obscuro que morreu na cruz como um criminoso. O acesso à Verdade suprema depende pois da crença no absurdo, naquilo que São Paulo já havia chamado de “loucura”. No entant, é o absurdo que possibilita a Verdade. P 406

Não há, portanto, outro caminho para a Verdade a não ser o da interioridade, o aprofundamento da subjetividade. [...]. A subjetividade não significa a fuga da generalidade objetiva: ao contrário, somente aprofundando a subjetividade e a culpa a ela inerente é que nos aproximaremos da compreensão original de nossa natureza. P 407

A fé reúne a reflexão e o êxtase, a procura infindável e a visão instantânea da Verdade; o paradoxo de ser o pecado ao mesmo tempo a condição de salvação, já que foi por causa do pecado original que Cristo veio ao mundo. Qualquer filosofia que não leve em conta essas tensões, que afinal são derivadas de estar o finito e o infinito em presença um do outro, não constituirá fundamento adequado da vida e da ação. P 409

No limiar do pensamento contemporâneo, a filosofia enfrenta um desafio crucial: o questionamento do valor absoluto que se atribuía aos critérios que serviam como base à civilização ocidental. Com Nietzsche, começa-se a expor a fragilidade das certezas seculares. P 410

...para Nietzsche as morais e as religiões são os principais meios para fazer do homem o que se quiser... p 411-412

Compreenda-se: nossa civilização passou primeiro pelo domínio do “tu deves”, quer dizer, pelo rimado da moral e da religião; esta primeira etapa do espírito cede lugar ao domínio do “eu quero”, que designa o eclipse do mundo do dever e a liberação da vontade; enfim, o “eu quero” supera-se no “eu sou”, uma nova relação do indivíduo com sua existência. Para apreender do interior estes períodos, vale a pena situar-se na etapa intermediária – domínio do ”eu quero” -, que é o período do niilismo europeu. [...]. O niilismo designa o momento histórico em que se desvalorizaram os valores supremos. Na consciência do europeu do final do século XIX, segundo Nietzsche, já se vive a morte de Deus. E o que os europeus não haviam percebido ainda era que a morte de Deus implicava a desvalorização dos valores morais: o fim do Deus cristão será o fim da moral por ele sancionada e de todos os substitutos laicizados do cristianismo. P 412.413

Isso já é niilismo – desvalorização dos valores supremos que, por isso mesmo, torna crepuscular a idéia de “dever”. Mas por que a morte de Deus deve implicar a desvalorização dos demais valores? Para compreender isso deve-se levar em conta que, para Nietzsche, a morte de Deus é apenas um capítulo de uma história bem mais longa: a morte do mundo-verdade, ou seja, o fim do platonismo. Assim, o niilismo significará também que nada é verdadeiro, e por isso mesmo tudo é permitido. P 413

Se não há mais um “mundo-verdade”, então o “espírito livre” saberá que existem apenas diferentes “interpretações”. Se o “cristianismo” não é mais a “verdade’, mas “apenas uma perspectiva entre outras”, é como tal que ele deve ser analisado. A partir de agora, a nossa “civilização” tornou-se um texto a mais, submetido à análise do filósofo. P 413

É exatamente esse sentido da dor que desaparece quando ocorre a desvalorização dos valores. E seu resultado será o niilismo como estado psicológico: a experiência de que a existência “não vale a pena”. Em outras palavras, o niilismo como desvalorização dos valores faz surgir o niilismo como desvalorização da existência. Ela é apenas dor, e dor sem sentido. P 416

E o niilista será agora uma consciência infeliz, pois sabe que o mundo, tal como deveria ser, não existe, e sente que o mundo que existe não deveria ser. Nietzsche dirá que essa situação poderá dar origem ainda maior da vontade quanto a seu revigoramento. No fim do mundo do dever, resta um “eu quero” que poderá ser forte ou fraco. P 416

Normalmente, confiamos na linguagem. Acreditamos que as palavras e a ordenação sintática do discurso traduzem com razoável fidelidade nosso pensamento.

Russell e Wittgenstein propõem que a lógica assuma precisamente esse papel, não só para elucidar a forma da linguagem, mas também porque, sendo as proposições expressões de fatos, a análise lógica contribuiria também para esclarecer a forma lógica dos fatos. P 422

Se uma hipótese sobrevive às tentativas de falseá-la, então, na expressão de Popper, ela “provou sua têmpera” e pode ser aceita – mas nunca estará conclusivamente estabelecida. A sobrevivência às sérias tentativas de refutar uma teoria corrobora a teoria... p 429-430

“ A ciência não é um sistema de enunciados certos e bem-estabelecidos... Nossa ciência não é conhecimento (episteme): nunca pode afirmar ter alcançado a verdade, (...). Não conhecemos: apenas podemos conjeturar.” P 430

(sobre o pensamento de Bérgson) Todos os fatores se interpõem entre nós e a realidade, fazendo com que nossa experiência cotidiana e científica seja uma construção e não uma relação imediata com as coisas. Há razões profundas para isso. Todos esses hábitos, esquemas e mecanismos destinam-se a tornar a vida possível, a fazer com que nosso relacionamento com a realidade seja guiado por critérios que possibilitem a melhor adaptação possível ao mundo em que temos que viver. Enganam-se, portanto, aqueles que vêem na inteligência sobretudo um órgão de conhecimento. A inteligência destina-se à vida, e o conhecimento, no nível da inteligência, deve estar a serviço da adaptação à vida. P 433

(sobre o pensamento de Sartre) O homem nada é enquanto não fizer alguma coisa. Exatamente por isso ele é para si, no sentido de ser aquilo que fizer de si. Neste ponto o existencialismo sartreano retoma a idéia heideggeriana de projeto: a existência é um projetar-se no sentido de impulsionar-se para o futuro. P 447

Intencionalidade, no caso, significa que a consciência é sempre consciência de alguma coisa; visa a algo, e nisso consiste sua realidade. O conteúdo da consciência não é outro senão os objetos que ela visa e reflete. P 448

Porque a consciência, no sentido de subjetividade autêntica, não é, propriamente, nada. A condição humana implica muito mais o fazer-se do que o ser. P 448

A precedência da existência em relação à essência significa que parto do nada. No próprio curso da existência é que o homem vai decidir acerca de seu próprio destino. O futuro está sempre em aberto, e ele será preenchido por um projeto, que é fruto de uma escolha e de uma decisão. Como não há uma essência precondicionando a escolha, esta se dá a partir de uma liberdade em sentido radical. P 449

A obrigação de ser livre gera angústia, que deriva do sentimento de não estar predestinado, de ter de optar construindo ao mesmo tempo o fundamento da opção. E optar por uma alternativa é ao mesmo tempo aniquilar todas as outras. É esse excesso de poder sobre si mesmo que gera medo, e gera também o desejo de alienar a minha liberdade. Esse desejo provoca uma espécie de afastamento de si mesmo, como se a pessoa pudesse fingir ser, em vez de ser. P 450

Mas a decisão já foi tomada, mesmo que ela tenha sido a de me conformar a tudo. P 450

Não é pois surpreendente que, diante da relevância da tarefa, se tenha podido extrair do existencialismo a conseqüência ética do desespero. P 450

(sobre o pensamento de Merleau-Ponty) A ontologia platônico-aristotélica confinara a possibilidade de respostas ao universo inteligível, razão de ser do mundo sensível. Descartes encerra as possibilidades de elucidação do mundo na certeza de um sujeito absoluto; Kant instituíra o solo transcendental das categorias do entendimento como princípio de significação; e Hegel propusera como lugar da verdade o espírito que reflete sobre a totalidade histórica. Todas essas tentativas são modalidades de pensamento reflexivo, isto é, de um pensamento que se instala numa posição absoluta, exterior ao mundo, juiz do valor da percepção sensível e da ação histórica. A filosofia reflexiva recusa o caráter mundano do sujeito, sua inerência histórica e seu comprometimento com as coisas. Mas não cabe à filosofia instituir o ponto de partida da compreensão do mundo e do homem. P 451

(sobre o pensamento de Heidegger) O fundamental para Heidegger é o sentido do ser. (...). Quase Todas as explicações filosóficas acerca do ser referem-se na verdade ao ente, de tal modo que a questão do ser está historicamente relegada ao esquecimento. O ente é um modo de ser e, portanto, o ser o determina. A finalidade última da filosofia é o esclarecimento dessa determinação. Para levar a cabo essa tarefa, precisamos esclarecer primeiro o único ente que nos é acessível tal como é em si mesmo, nós, ou modo de ser do existente humano. P 452

A existência é o modo de ser deste ente que é o homem. P 454

Para o existente humano, estar no mundo não é um acidente, mas algo que efetivamente o constitui. Disso decorrem algumas conseqüências. A primeira é a factividade: o fator de estar no mundo é a situação original do existente humano e ele a sente como tal, ou seja, como tendo sido lançado ou abandonado no mundo, para cumprir a existência. Em segundo lugar, a compreensão que o homem tem de si mesmo reside na possibilidade e não no dado. A possibilidade está presente nos atos em que o homem se projeta e, na verdade, a existência, como tal, é um contínuo projetar-se. O modo de ser do homem é o poder-ser, isto é, fazer da vida sempre um projeto. O fato de estar no mundo compreendido como possibilidade de ser gera angústia, que pode ser entendida como sentir-se no mundo em estado de carência ou de temor indeterminado. A angústia é a compreensão da precariedade da condição humana. É compreensível que o homem procure por todos os meios evitá-la. A maneira de evitar a angústia é mergulhar num cotidiano habitual que afaste o homem da autenticidade de sua existência e o coloque na impessoalidade neutra de uma existência nivelada pela mediocridade. É o que Heidegger chama de inautenticidade. Nesse modo de existir, o homem não assume a sua condição e vive como que alheio a si próprio, razão pela qual esse estado se denomina queda. P 455

Há uma razão pela qual o homem se sente atraído pela inautenticidade. Dentre as inúmeras possibilidades abertas para ele, uma se destaca como certamente realizável, independentemente de seu projeto de vida: a morte, a maior das certezas humanas e, paradoxalmente, a única cuja experiência direta nos é vedada por princípio, pois só temos experiência da morte por outro. A morte portanto é vivida como possibilidade existencial, como algo que cresce e amadurece em nós à medida que vivemos. P 455

Com isso acrescenta-se uma característica singular ao nosso modo de existir: o homem não apenas é um ente que está-aí, lançado no mundo, mas sobretudo está no mundo para a morte. (...) ...ser para a morte significa ser para o nada. O nada apresenta-se assim como possibilidade definidora da existência. (...) ...o nada é uma presença forte na estrutura existencial.
P 455

A lucidez frente à possibilidade da morte é própria da consciência resoluta. A resolução como característica existencial se expressa no modo como posicionamos nossas possibilidades, superando o presente imediato. P 456

Para viver autenticamente a condição de ser para a morte, o existente humano deve retomar-se a cada momento, isto é, voltar a si, pois o homem é o único ente que pode realizar a união consciente entre o que é e o que já foi. Fazer-se presente, no sentido de viver autenticamente a sua situação, é sempre retroceder para si, o que faz do presente um misto de retomada do passado e de antecipação do futuro. A situação existencial é portanto inseparável da temporalidade: o tempo une os sentidos do existir e, por isso, a temporalidade é o sentido da existência. P 456-457

(sobre o pensamento da Escola de Frankfurt) A teoria crítica vê na fantasia não a ilusão, mas a faculdade cognoscente que aponta para um princípio de realidade diverso do existente no mundo da reificação, mundo comandado pela lógica do lucro, que transforma todos os homens em “meros agentes da lei do valor”. P 463-464



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- Carl Gustav Jung
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- Lacan
COSTA PINTO, Manoel da. A música da fala. In: O Livro de ouro da psicanálise. Rio de Janeiro: Ediouro, 2007, 540 p. ...o ser humano nasce para um mundo de relações e, desde o início, quando se relaciona com alguém, nunca mais será o mesmo. A partir...

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MANNION, James. O livro completo da Filosofia. São Paulo-SP: Editora Madras, 2008, 5ª ed, 286p. Platão acreditava que existia uma Forma entre as Formas chamada de Bem, e este Bem tem sido interpretado como Deus. Esse reino misterioso onde as formas...

- A EpopÉia Do Pensamento Ocidental (de Richard Tarnas) - Fichamento Sobre O Pós-modernismo (tenente Menezes)
TARNAS, Richard. A epopéia do pensamento ocidental. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 6ª ed, 2003, 588 p. ...podemos considerar o espírito pós-moderno como sendo um conjunto de atitudes abertas e indeterminadas que foi moldado por uma grande diversidade...

- A Educação No Século Xxi
IMBERNÓN, Francisco. Desafios e saídas educativas na entrada do século. In: A educação no século XXI. Porto Alegre: Editora Artmed, 2000, 2ª edição. Habilidades como a seleção e o processamento da informação, a autonomia, a capacidade para...



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